terça-feira, 30 de março de 2010

“Seja fiel até o final”

"SEJA FIEL ATÉ O FINAL"

Retomemos a leitura de algumas destas cartas, buscando nelas colher os elementos de uma autêntica conversão do clero, diáconos, sacerdotes e bispos. Comecemos com a primeira carta, aquela endereçada à igreja de Éfeso. Notemos uma coisa primeiramente. O Ressuscitado não inicia seu discurso falando sobre o que não vai bem na comunidade. Esta carta, como quase todas as demais, começa por destacar os aspectos positivos, o bem que se faz na igreja: “Conheço a tua conduta, o teu esforço e a tua constância; és perseverante. Sofreste por causa do meu nome e não desanimaste” (Ap 2, 2). Somente neste ponto intervém o apelo à conversão: “Mas tenho contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te de onde caíste! Converte-te (metanoeson) e volta à tua prática inicial”.

O apelo à conversão assume a conotação de um retorno ao primitivo fervor e amor por Cristo. Quem de nós, sacerdotes, não lembra com comoção do momento em que tomamos consciência de estarmos sendo chamados por Deus para servi-lo, o momento da profissão para os religiosos, o entusiasmo dos primeiros anos de ministério como sacerdotes? É verdade que há também o fator da idade, a juventude. Mas neste caso, não se trata da natureza: o que foi graça no passado pode ser graça ainda hoje.

“Quero exortar-te”, escrevia o apóstolo ao discípulo Timóteo, “a reavivar o carisma que Deus te concedeu pela imposição de minhas mãos” (2 Tim 1,6). O termo grego que aqui foi traduzido como “reavivar” sugere a ideia de assoprar sobre brasas para que voltem a arder, reacender a chama. Em uma das meditações do Advento, vimos como a unção sacramental, recebida na ordenação, pode voltar à atividade mediante a oração e um sobressalto de fé. Também o autor da carta aos Hebreus chamava os primeiros cristãos a resgatarem seu entusiasmo inicial: “Sê fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida”.

Da carta à Igreja de Éfeso tomamos portanto o convite urgente a um reencontro do amor e do fervor de um tempo. Um outro componente da conversão sacerdotal podemos encontrar na carta à igreja de Esmirna. Também aqui o Ressuscitado começa destacando o que é positivo: “Conheço sua tribulação, sua pobreza...”, mas segue de imediato o apelo: “Sê fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida”.

Fidelidade! O Santo Padre usou esta palavra como título e programa do ano sacerdotal: “Fidelidade de Cristo, fidelidade de sacerdote”. A palavra fidelidade tem dois significados fundamentais. O primeiro é o de constância e perseverança; o segundo é o de lealdade, retidão, o oposto, em suma, de infidelidade, perfídia e traição. O primeiro significado é aquele presente nas palavras do Ressuscitado dirigidas à igreja de Esmirna; o segundo é aquele que consta nas palavras de Paulo que escolhemos para guiar nossas reflexões: “Que as pessoas nos considerem como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. Ora, o que se exige dos administradores é que cada um se mostre fiel” (1 Cor 4, 1-2). Estas palavras remetem, talvez propositalmente, àquelas de Jesus no Evangelho de Lucas: “Quem é o administrador fiel e atento, que o senhor encarregará de dar à criadagem a ração de trigo na hora certa?” (Lc 12, 42). O contrário desta fidelidade está naquilo que faz, na parábola, o administrador infiel (Lc 16, 1 ss.).

A esta fidelidade se opõe a traição da confiança depositada por Cristo e pela Igreja, a vida dupla, o pouco caso para com os deveres de sua condição, especialmente no que se refere ao celibato e à castidade. Sabemos por dolorosa experiência quanto dano pode ser provocado à Igreja e às almas com este tipo de infidelidade. Esta talvez seja a mais dura provação enfrentada pela Igreja neste momento.

ZP10032613 - 26-03-2010
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